Escritor, indígena e fundador do Instituto UKA – Casa de Saberes Ancestrais, Daniel Munduruku é doutor em educação pela Universidade de São Paulo e pós-doutor em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos.
Autor de mais de 50 livros voltados à cultura e luta indígena e literatura infantojuvenil. Entre os prêmios já recebidos estão o Jabuti e o Tolerância, esse último reconhecido pela Unesco.
Confira a seguir o manifesto de Daniel Munduruku:
Tendo nascido em uma sociedade onde as pessoas são educadas para sentirem-se parte do todo;
Onde o tempo não é linear impedindo que as pessoas desperdicem suas vidas correndo atrás de riqueza e poder;
Onde cada fase de vida é tratada como um processo que nunca mais se repetirá e por isso deve ser vivida em sua plenitude;
Onde a relação com a natureza não é de domínio, mas de convivência;
Onde as pessoas se sentem solidárias umas às outras e capazes de partilhar seu pão e sua poesia;
Onde o passado é visto e respeitado como memória e o presente como uma dádiva que precisa ser usufruída e agradecida em todo momento;
Onde as crianças tudo podem porque são educadas pelos velhos, que tudo sabem;
Onde os saberes são partilhados pelas histórias contadas nas noites sem lua para nos lembrarem que somos parte do mundo e não seus donos;
Onde, enfim, somos desde que nascemos e nascemos para sermos inteiros, completos, não no futuro distante, mas no agora, no presente, hoje…
Entendo que é preciso valorizar todos os saberes;
Respeitar todas as diferenças;
Estimular cada vida;
Aceitar a diversidade de ideias;
Despertar cada vocação;
Alimentar cada sonho;
E sonhar, sonhar, sonhar.
Sonhar um sonho possível de tolerância, respeito, dignidade, direitos.
Sonhar um mundo que nos faça ter dignidade por acolher o que cada ser é.
Sonhar uma realidade que seja composta de alegria, alimentada pela liberdade de ser, viver sem competir para mostrar mérito sobre a outra pessoa.
Ah, como tenho o desejo de construir uma realidade em que possamos, de fato, sermos mais por sermos Um!
Alguém dirá que é utopia. Dirá bem, dirá certo. É.
O mais legal é saber que ela é possível. Eu a vivi. Eu vim de lá.
É o que quero oferecer aqui. Esse é o bem viver que aprendi de minha gente. É ser Presente. É ser parte. É pertencer. É me importar com meu lugar. É me comprometer com a minha realidade. É não ficar indiferente. É não aceitar que digam que não posso fazer. É ser livre. É entender que minha realização só é possível quando o outro também se realiza. É ser solidário, solícito e coletivo.
Enfim, é Ser.
Daniel Munduruku,
Lorena, verão de 2020.