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Confira o artigo de Christine Castilho publicado originalmente no Portal Biblioo, parceiro da Campanha Eu Quero Minha Biblioteca.


O era uma vez abre portais, enquanto o é assim que é nos coloca prostrados de joelhos diante da enormidade que é a realidade. Assim tem sido quando a prosa é sobre formação leitora e escritora. Pesquisa após pesquisa nos apequenamos diante do desafio ao invés de promover união de mangas arregaçadas para encarar uma boa batalha: vencer o analfabetismo de todas as ordens[1] e a mediocridade vigente muito por conta desse analfabetismo que impossibilita ver para além dos nossos dramas de cada dia. “Não leem” porque não gostam ou não gostam justamente porque “não leem”? E pouco ou nada sabemos d@ sujeit@ da frase que sentenciamos ao não fazermos nada que seja efetivo, bom e sustentável.

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O Dia Mundial da Educação é celebrado em 28 de abril, e nós por aqui ainda debatemos porque jovens não leem enquanto cerca de 48%[2] das escolas públicas brasileiras não têm biblioteca, que é o lugar de acesso gratuito aos livros, às leituras, às leitoras e aos leitores. Estamos a discutir a importância da biblioteca na escola quando deveríamos estar aprofundando debates sobre qual biblioteca precisamos para a educação que queremos (e igualmente precisamos). Ler melhora a educação ou é educação melhor que promove boas(bons) leitoras(es)? Dois lados de uma mesma viagem para um destino comum: saber ler e escrever e argumentar com gosto e competência, humanidade e generosidade, coexistindo e não tolerando, porque tolerar é palavra que carrega a intolerância em seu útero.

Somam 68.354[3] as escolas públicas sem biblioteca ou sala de leitura – destas, 56.954 são escolas rurais! Falando em porcentagens: 48% das escolas públicas brasileiras não têm biblioteca ou sala de leitura e neste universo percentual 65% das escolas sem bibliotecas são escolas rurais, em números são 43.439 escolas. Milhares de estudantes e toda a comunidade escolar de seu entorno sem acesso aos livros, leituras, práticas leitoras, encontros entre leitoras e leitores. Ou seja, compromete ainda mais o desenvolvimento intelectual e humano de populações já isoladas e sem acesso a equipamentos culturais e educacionais.

Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Portanto e por tal, segue sendo importante afirmar e reafirmar a importância da biblioteca na escola para que existam bibliotecas nas escolas, boas bibliotecas, diga-se de passagem, onde leituras e ideias fervilhem e nos levem a tod@s, em especial a atual geração, para bem longe das ideias superficiais e banais, que incitam o ódio, que têm circulação ainda mais solta nesta era digital – e é bem importante que pesquisas apontem as dimensões de referência para que cumpra sua função social. E portanto e por tal tem grande mérito a iniciativa do Instituto Pró-Livro: a realização de uma pesquisa sobre bibliotecas em escolas em parceria com o Insper. Dia 23 passado ocorreu a primeira apresentação dos dados, sobre os quais há muito a pensar, falar, escrever, comentar, dialogar. A pesquisa avaliou as dimensões funcionamento da biblioteca, atuação do responsável pela biblioteca, atuação do professor, uso da biblioteca, acervo, estrutura física e manutenção e recursos eletrônicos.

As conclusões da pesquisa atestam o já sabido, uma vez que é impossível desconectar insumos de aprendizagem dos processos e resultados da aprendizagem, ou seja, confirma-se a grande relevância da existência de uma boa biblioteca na escola: “comparando a pior com a melhor escola com relação ao funcionamento da biblioteca, o desempenho em Português aumenta 5 pontos na escala SAEB, o que equivale a ½ ano de aprendizado entre o 5º. e o 9º. Ano”. Este é um indicador medido, porque é claro que a existência de uma cultura leitora e escritora viabilizada pela biblioteca abre portais muito mais amplos do que garantir a nota na avaliação de Português, que é em si imprescindível, porque imprescindível é que se domine a linguagem para dela fazer uso, para aprender a pensar para além dos limites impostos pela cultura vigente e também para respeitá-la e valorizá-la no que tem de adequação e necessário para a garantia dos direitos e da diversidade manifesta pela vida.

Deveria, mas não tem sido, claro que nem todo conjunto de livro é biblioteca, que biblioteca é ambiente e ambiência, com insumos concretos para acondicionamento do acervo (impresso e digital), para viabilizar pesquisa, leituras, estudos, encontros entre leitores(as), práticas de leituras diversificadas e, sim, aberta à comunidade do entorno. E novamente um dado da pesquisa realizada pelo IPL/Insper comprova sua relevância: “a escola com melhor espaço físico tem um IDEB 0,2 maior que a escola com pior espaço. Para efeito de magnitude, o Brasil inteiro cresceu 0,3 ponto no IDEB entre 2015 e 2017. A mesma magnitude de correlação tem o indicador de uso da biblioteca, embora para as escolas mais vulneráveis, a correlação chega a 0,5”.

Em 2008, quando eu era responsável pela diretoria de educação do Instituto Ecofuturo, realizamos uma pesquisa de sustentabilidade e impacto das bibliotecas implantadas em escolas com apoio do Ecofuturo em parceria com a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), viabilizada por meio de articulação intersetorial, envolvendo a iniciativa privada, o poder público e a sociedade civil.

Realizada sob a coordenação do pesquisador Ricardo Paes de Barros – atualmente economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor da Cátedra Instituto Ayrton Senna no Insper –, a pesquisa demonstrou que uma biblioteca criada a partir de parâmetros de qualidade (boa infraestrutura, acervo de qualidade, formação dos profissionais da biblioteca, planejamento de leituras) promovem impacto positivo no desempenho escolar e redução de taxa de abandono.

O Ecofuturo refez a pesquisa ano passado com uma amostra das 107 bibliotecas implantadas até 2017, em 12 estados brasileiros, e constatou novamente impacto positivo nos índices de desempenho escolar. Desenvolvida pela consultoria Metas Sociais – que integra parte dos pesquisadores que realizaram a primeira pesquisa em 2008 –, “comprovou que os municípios com Bibliotecas Comunitárias Ecofuturo apresentaram melhora de 7,8% no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) no Ensino Fundamental II, bem como uma taxa 2% superior em Proficiência em Matemática e 4,3% maior em Proficiência em Leitura, em comparação com cidades de mesmo porte, mas que não têm bibliotecas do projeto. Além disso, o estudo apontou uma elevação de 4,2% na taxa de aprovação dos alunos do Ensino Fundamental II, e de 3,4% no Ensino Fundamental I. Verificou-se ainda uma relação positiva entre a presença das bibliotecas e uma maior participação das famílias na vida escolar dos estudantes”.

As dimensões avaliadas em ambas as pesquisas são similares e revelam, sobretudo, que livro sem mediação de educador(a) não põe cultura de leitura em pé. Revela a pesquisa do IPL/Insper: “A magnitude do efeito em desempenho em Português é de 4 pontos (SAEB), ou 1/3 de um ano de aprendizado entre o 5º e o 9º. Ano. O EFEITO É MAIS FORTE AINDA NAS ESCOLAS MAIS VULNERÁVEIS: 16 PONTOS (SAEB)”.


Dado comum em ambas as pesquisas: o impacto positivo das bibliotecas em escolas é MAIOR quando as escolas estão em lugares mais vulneráveis. Então, o que estamos esperando para superar a dúvida sobre a importância das bibliotecas em escolas e transformar a certeza de sua importância em política pública efetiva e sustentável?

Uma dica muito importante: neste momento a gestão pública em nível federal, estadual e municipal está definindo os investimentos para 2020, a LOA (Lei Orçamentária Anual). É hora de marcar audiência com gestoras(es) públicas(os) e reivindicar alocação de recursos para bibliotecas em escola do seu bairro, da sua cidade, do seu estado, do nosso País. No site da campanha Eu Quero Minha Biblioteca – www.euquerominhabiblioteca.org.br – você encontra materiais de referência para apoiar você nessa mobilização no chão em que você pisa.


Ler, escrever e argumentar com gosto e competência não é dado genético. É resultado de ofertas qualificadas e sustentáveis de práticas leitoras. Não são @s jovens que não gostam de ler. Somos nós, como sociedade, que estamos falhando miseravelmente na missão de prover os meios necessários e de forma permanente para que tenham cotidiano e pleno acesso aos livros, às leituras, às práticas leitoras. Não qualquer leitura, mas aquelas que promovam perplexidade, busca de sentido, o livre pensamento, o impulso de seguir lendo. E que nessa jornada vá se preparando para ser um humano melhor neste e para este planeta, “e aprenda a nos salvar de nós mesmos neste pálido ponto azul” suspenso neste vasto universo, como nos alertou Carl Sagan, “o único lar que nós conhecemos até hoje”:

“Olhem de novo esse ponto. É aqui, é a nossa casa, somos nós. Nele, todos a quem ama, todos a quem conhece, qualquer um sobre quem você ouviu falar, cada ser humano que já existiu, viveram as suas vidas. O conjunto da nossa alegria e nosso sofrimento, milhares de religiões, ideologias e doutrinas econômicas confiantes, cada caçador e coletor, cada herói e covarde, cada criador e destruidor da civilização, cada rei e camponês, cada jovem casal de namorados, cada mãe e pai, criança cheia de esperança, inventor e explorador, cada professor de ética, cada político corrupto, cada ‘superestrela’, cada ‘líder supremo’, cada santo e pecador na história da nossa espécie viveu ali – em um grão de pó suspenso num raio de sol”.

https://www.youtube.com/watch?v=iBAVSOqiTt4